Publicado por: pongpesca | 2010/03/16

O pescador pode viver do mar e não da pesca?

“Ali se pescou por anos e anos… de pai para filho, de filho para neto, de neto para bisneto, e assim foi… muita família viveu do mar… viveu-se tanto do mar que já não há peixes como antigamente… o pescador agora é pintor, caseiro, pedreiro ou seja lá o que for… mas para pescador, bom mesmo é viver do mar!  

Foi então que chegaram uns doutores e limitaram o mar… fizeram uma tal de reserva biológica marítima… lá não se pode mais pescar… lá é lugar de estudo, de pesquisa, de doutor ficar.  

Mas não é que, como não se podia mais pescar, cresceram peixes e outros bichos do mar… lá os peixes são grandes, do jeito que era antigamente… eu quero ir lá pescar, mas se lá, eu e todo mundo for, de novo, os peixes vão acabar…”  

Area de Proteção AmbientalO trecho acima resume de forma bastante romântica a relação entre a criação da Reserva Biológica Marinha de Tamandaré com a comunidade de pescadores do município. Conversamos com pesquisadores, mergulhadores, pescadores e voluntários sobre a visão da comunidade local, em especial dos pescadores, da restrição imposta pela criação da reserva biológica marinha para fins de conservação dos recifes de coral e dos projetos desenvolvidos nesta área. 

 Um destes projetos nos chamou atenção: o projeto do Instituto Recifes Costeiros (IRCOS) que visa a capacitação de guias turísticos locais para exploração turística de baixo impacto ambiental da área do entorno da reserva fechada. IRCOS espera aumentar o apoio da comunidade local à área restrita. O projeto tenta oferecer uma atividade alternativa à pesca predatória que leva a redução ou eliminação de algumas espécies de peixes. Este projeto nos chamou a atenção porque é um exemplo claro que a conservação da natureza é sempre mais eficaz se inserida no contexto local. Jangada tour

Tivemos o privilégio de conhecer o projeto servindo de turistas cobaias. Enquanto apreendíamos, fizemos passeio de jangada com Sr. Rubens, mergulhamos nas áreas do entorno e nadamos nas piscinas naturais. Tudo isto cercado da beleza de um lugar como Tamandaré, onde até a praia feia é de impressionar os olhos!

A Reserva Biológica Marinha de Tamandaré foi criada em 1997 como parte do Projeto Recife Costeiros que visava a recuperação e reprodução dos recifes de coral da região. Esta reserva marinha é um dos tipos mais restritos de unidade de conservação categorizadas pela lei brasileira. Nela são permitidas somente a pesquisa científica e atividade educacionais. Todas as outras atividades estão proibidas. Esta reserva está inserida na Área de Preservação Ambiental (APA) da Costa dos Corais e compreende 1% de sua área total, cerca de 413 mil hectares e 136 km de extensão.

Os ecossistemas de Recife de Corais são uma espécie de floresta marítima contendo o mais diverso habitat marinho do mundo, abrigando quantidades extraordinárias de plantas e animais. Em Tamandaré e em vários pontos da área abrangida pela APA, a pesca excessiva e predatória, o desenvolvimento e ocupação costeira, o lixo, o desmatamento, entre muitas outras coisas causaram a degradação desses ambientes. A Reserva Biológica Marinha é uma importante tentativa de manter este ambiente vivo e de aumentar o conhecimento sobre seu funcionamento.  Coral

Vários fatores definiram a relação entre os criadores e administradores da reserva e a comunidade de pescadores do município nestes 13 anos. Um deles foi a desconfiança gerada na comunidade pela criação inicialmente em caráter provisório, e posteriormente, em caráter definitivo da reserva fechada. O outro, é o sucesso obtido pelo projeto em termos do aumento e recuperação da biodiversidade da área protegida, em especial da quantidade de peixes e outros animais com potencial econômico que voltaram a viver ali.

A princípio, a reserva biológica marinha foi criada pelo período de 3 anos com o apoio dos pescadores. Naquela época havia uma expectativa de que a área fosse reaberta em seguida para pesca. Isto não ocorreu, o sucesso obtido pelo Projeto Recife Costeiros em termos de conservação e pesquisa tornaram possível a prorrogação da reserva fechada até hoje.A tendência é que a área continue sendo de uso restrito. Um projeto de manejo da área propondo a criação definitiva da reserva está em análise pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) com altas probabilidades de se concretizar. 

Seu modelo é exemplo de sucesso e já foi replicado em outros locais da APA Costa dos Corais a pedido dos próprios municípios (Paripuera, Maragogi e São José da Coroa Grande). Estes municípios reconhecem o potencial turístico que uma reserva de corais fechada pode significar para seu entorno. Ainda, a área é apoiada pelo Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMA) do município de Tamandaré, órgão de deliberação da sociedade civil criado após 1997 com participação não apenas dos pescadores, mas também de comerciantes, empresários e funcionários públicos etc. 

Além da expectativa inicial de reabertura da área, outro fator também influencia a visão dos pescadores sobre a área restrita. Como a área foi conservada, há nela maiores quantidades de peixes e outros animais marinhos com potencial econômico do que outras áreas em Tamandaré. Contudo, muitos pescadores não fazem a conexão entre a maior incidência de animais marinhos e a área de conservação. Eles enxergam apenas a oportunidade econômica imediata e são contrários à restrição imposta para conservação porque gostariam de pescar ali.Pescador - Fisher

É preciso salientar, contudo, que nem todos pescadores pensam assim. Como nos contou a professora Beatrice Padovani Ferreira do Departamento de Oceanografia da UFPE, o Projeto Recifes Costeiros a princípio, e o IRCOS em seguida, não serviu apenas para conservação e maior compreensão da natureza. Um dos seus efeitos colaterais foi a descoberta de talentos científicos dentro da própria comunidade em Tamandaré. Foi assim que Edvaldo (Nino) Costa passou de peixeiro para professor universitário, Alberto Santos de cortador de cana e pescador, para biólogo e presidente do COMDEMA e Manoel Pedrosa de estagiário para Diretor do IRCOS. 

Contudo, a expectativa de reabertura da área para pesca mesmo após seu comprovado sucesso em termos de conservação demonstra que uma parte da comunidade ainda não aceita a reserva e não compreende sua importância para a manutenção do equilíbrio ecológico da região. Isto põe em risco o trabalho desenvolvido dentro da área preservada e aumenta o os custos de fiscalização.  

 Mapa Reserva Marina Diving – Mergulho 

É ai que o projeto de capacitação do IRCOS, apoiado pela SOS Mata Atlântica e Avina entra. É uma tentativa de criar uma alternativa à pesca a partir da exploração do entorno da área da reserva fechada.

O efeito de conservação da área protegida transbordou seus limites geográficos. Como dizem por aqui: _ “os peixes não conhecem os limites da reserva”, e os recifes de corais também não. Assim é que, não apenas a área da reserva fechada, mas também seu entorno, recuperou a beleza de seus corais e serve hoje de habitat para diversos animais e vegetais marinhos que antes não mais existiam ali. O IRCOS trabalha com a comunidade para desenvolver e organizar este grande potencial turístico. Nos contou Manuel Pedrosa, diretor do Instituto, que para tanto foram desenvolvidas algumas atividades. 
  1. Identificou-se quais são as atividades turísticas de baixo impacto com potencial econômico: delimitaram-se trilhas para mergulhadores, piscinas naturais para visitação, etc..
  2. Ofereceu-se curso de capacitação de guia locais incluindo conhecimentos científicos e técnicos sobre a fauna e a flora do local, atividades de menor impacto ambiental entre outros.
  3. Apóia-se tecnicamente a criação de uma cooperativa, a cooperativa Náutica Ambiental, visando a auto-gestão, pelos próprios guias, da exploração turística da região e o apoio da comunidade local para fiscalização da área reservada.

Visa-se com isto não só uma exploração econômica ordenada e de baixo impacto da área do entorno da reserva fechada, mas também aumentar o número de pessoas na comunidade que compreendem que esta área, se preservada, pode trazer mais benefícios a curto e a longo prazo do que se aberta. Quanto mais pessoas levarem a reserva em suas cabeças e corações, mais fácil se tornará a fiscalização da área.O projeto do IRCOS é um primeiro passo, mas ainda há muitas dificuldades a serem enfrentadas. Apenas 24 pescadores, em torno de 5-10 % do total de pescadores do município, aderiram a idéia da cooperativa para exploração turística do entorno. Alguns pescadores temem que esta iniciativa é uma tentativa de aumentar a área preservada e preferiram ficar de fora.A expectativa do instituto é que na medida em que o turismo se desenvolva e se mostre como importante alternativa econômica para região, um maior número de pescadores escolherá desenvolver a atividade de menor impacto ambiental e compreenderá que é possível viver do mar sem destruir a natureza!”

Fonte: Blogue Suficiente – 13 de Março de 2010 


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